PHILIPPE GARREL ∙ UMA ALTA SOLIDÃO ∙ NEVA CERANTOLA & LUÍS MIGUEL OLIVEIRA (ORG.)
PHILIPPE GARREL • UMA ALTA SOLIDÃO • Organização de Neva Cerantola & Luís Miguel Oliveira • 2003 Cinemateca Portuguesa 78 pgs • Catálogo da Retrospectiva da obra de Philippe Garrel • Textos Luís Miguel Oliveira, Philippe Garrel, Jorge Silva Melo, Serge Daney, Bernard Eisenchitz & Carmelo Marabello • Autoria Gráfica Luís Miguel Castro & Álvaro Rosendo • Livro disponível na Livraria Linha de Sombra • Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema.
“O cinema de Garrel, nas duas fases magoadas que imperceptivelmente se aproximam, é o cinema de um filho, o filho que sai de casa com as muitas raparigas, os copains, a guitarra, uma volkswagen e o mundo inteiro como destino, Marrocos e a liberdade, um bando de saltimbancos ao relento, franciscanos da arte e do sexo, um pouco de erva e música a olhar as estrelas e a vida a passar num beijo, o luxo da imensa beleza a desfazer-se, consumptiva. E que um dia volta a casa, filho que nunca foi pródigo pois sempre nessas aventuras à beira do delírio, levou o seu maravilhoso pai, volta a casa o filho para começar a arrumar, para ver o pai morrer, e ele começar a limpar, a ter filhos, levá-los à escola, tratar da baby-sitter, começar a pôr em ordem a imensa cicatriz que lhe ficou de tantas mortes que a vida lhe foi trazendo, Nico, a bela Nico, Pierre Clémenti, o belo Pierre Clémenti, Jean Seberg, a bela Jean Seberg, os adeuses, a tristeza, Eustache, as mulheres, Paris, tudo foi-se indo e ele fica, testemunha, narrando, testemunhando agora que é pai, deixando ficar para os que «nascerem depois de nós» este vai-vem que tanto nos libertou, que tanto libertou o João César desde as noites de Monte Carlo, aberta na mesa a página e meia dos Cahiers em que vinha a belíssima foto da Zouzou no Marie Pour Mémoire. Como quem (e foi o pobre Brecht quem primeiro o pediu) diz «Olhem depois para nós com compaixão».”
O CINEMA DO FILHO, Jorge Silva Melo