MANOEL DE OLIVEIRA ∙JOÃO BÉNARD DA COSTA (ORG.)
MANOEL DE OLIVEIRA • Organização de João Bénard da Costa • 1981 Cinemateca Portuguesa 114 pgs • Textos de João Bénard da Costa; Alves Costa; António-Pedro Vasconcelos; José Manoel Costa; João Lopes; Manuela de Freitas; Jorge Silva Melo; Jacques Passi; José-Augusto França; Eugénio Lisboa & Eduardo Lourenço • Catálogo editado por ocasião do ciclo integral de cinema de Manoel de Oliveira na CP-MC no ano de 1981 • Concepção gráfica de GABT • PVP 50€ • Livraria Linha de Sombra • Cinemateca Portuguesa.
“Camilo pergunta a Francisca no baile: «E a alma o que é?» «A alma» (Teresa Meneses diz a «ialma») «a alma é um vício». Nesse momento a música recomeça e os pares recomeçam a dançar. Mas no espelho tudo se reinicia, e pela segunda vez ouvimos o diálogo, a singularíssima resposta, a repetição da música e a repetição da dança.
Jogar, beber, fumar, etc. podem ser vícios. Que a alma seja um vício quer dizer tudo e não quer dizer nada. Mas é esse vício que todos os filmes de Oliveira perseguem. O que nos leva a acreditar, viciosamente, que para lá dos corpos abraçados, multiplicados, perdendo-se e encontrando-se em simultaneidade, existe outra coisa que talvez seja só o nosso vício de a pensar. A alma nunca ninguém a viu. E, nesse sentido, não existe. O cinema, também não, e nesse mesmo sentido se percebe que Oliveira diga que ele não existe. Mas é um vício. Como a alma. E tão mortal como os corpos e tão imortal como é suposto dizer-se que a alma o é.
O cinema é um vício. O círculo vicioso da obra de Oliveira. Donde não há saída. A morte de Fanny. José Augusto que estava (e não estava) no plano, pergunta pelos sapatos perante o pé nú do cadáver. O que já foi (na memória) o que não sabemos se foi (no imaginário) o que contradiz o que é (a imagem). Vemos corpos – não vemos memórias, não vemos imaginações. Como não vemos a alma. A alma é o cinema, o que não existe. O vício.”
O CINEMA É UM VÍCIO, João Bénard da Costa