JOÃO BÉNARD DA COSTA • ESCRITOS SOBRE CINEMA • Tomo I / 4º Volume • TERESA BARRETO BORGES (ORG.)
ESCRITOS SOBRE CINEMA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA • TOMO I / 4 VOLUME • 2021 Cinemateca Portuguesa 1336 pgs • Editores: Antónia Fonseca; Arnaldo Mesquita; Isabel Durana; Joana Ascensão; João Pedro Bénard; Lúcia Guedes Vaz; Luís Gameiro, Manuel João Montenegro; Margarida Sousa; Rita Azevedo Gomes; Maria João Madeira & Teresa Borges • Revisão Pedro Casquinha Santoz • Grafismo de Rita Azevedo Gomes & Nuno Rodrigues da Costa • Projecto de seis volumes com edição anotada dos textos escritos por JBC na Cinemateca Portuguesa & na Fundação Calouste Gulbenkian • Este livro reúne os textos desde o realizador Walter Lang até ao Yasujiro Ozu • Lançamento do livro no dia 20 de Dezembro de 2021, com a projecção do filme AKASEN CHITAI | “A RUA DA VERGONHA”, de Kenji Mizoguchi, 1956 Japão 85 min • Sessão apresentada por Maria João Madeira • Linha de Sombra • www.linhadesombra.com • Cinemateca Portuguesa ◼︎
"Repare-se agora em Yumiko e no filho operário. O olhar dele, quando descobre a profissão da mãe, é também o olhar da cobardia e da hipocrisia. Muito mais tarde vem o "raccord" quando o informam de que o filho partiu para Tóquio sem lhe dizer nada. E a pasmosa sequência em fundo de fábrica (volta o silvo) é a vitória de um corpo estendido no chão (o dela) sobre um corpo que foge, num décor já tinto de negrume. Mais tarde, a canção e a loucura formam uma das mais sublimes imagens de "mater dolorosa" jamais registada em imagens. E entre a mulher que se vai casar e a presença fortíssima da patroa, emerge Yasumi com o calculismo mercantil absoluto, respondendo, com a sua resguarda beleza, à regra de jogo que só ela vence. Mas o lado efémero dessa vitória vem com a chegada da miúda do fim. A sua longuíssima maquilhagem é um dos momentos mais geniais do filme. E, quando entrevemos, naquele rápido e oculto gesto de convite ao primeiro cliente, tudo está consumado. Só resta o écran fundir em negro e a surgir a palavra fim."
A RUA DA VERGONHA (1956), João Bénard da Costa
“Recordações da Casa Amarela. Mesmo quem não leu muito, lembra-se logo de Dostoiévski e das Recordações da Casa dos Mortos. Sabe que não o vão levar para o canto da lareira e que a viagem não vai ser agradável. Casa Amarela por quê? A legenda seguinte - ainda estamos mergulhados no negro mais negro - esclarece: «Na minha terra chamavam casa amarela à casa onde guardavam os presos. Por vezes, quando brincávamos na rua, nós, crianças, lançávamos olhares furtivos para as grades escuras e silenciosas das janelas altas e, com o coração apertado, balbuciávamos: ‘Coitadinhos’...». Decorre o genérico. Ouvimos uma flauta, sons estranhos, gritos. A casa amarela não é uma prisão. É um manicômio. João de Deus já nos está a falar de lá, quando diz em off um texto de Céline (Mort à Crédit). Mas a luz chega à tela, e o que se inicia é um flashback. Vagaroso travelling sobre Lisboa, filmada do Tejo, descobrindo a parte mais bela da cidade, do Terreiro do Paço à Madre de Deus. Casas velhas? Como depois corrigirá Dona Violeta “barrocas Senhor João. Isto foi casa de marqueses e marquesas, de príncipes de Portugal”. Ninguém está a brincar, muito menos o realizador. Durante o filme, vezes sem conta, mergulhamos nestes bairros, em ruas, praças e becos. Tudo tão estranho, tão nosso desconhecido. Lisboa tem um verso e um reverso. O verso vê-se do rio e é bom para os poetas. O reverso vê-se em terra e é bom para os pintores. A cidade é secretíssima. Quem vê caras não vê corações. Para lá das fachadas, começam as surpresas. Fiquem os turistas com a ville blanche. Quem cá morrer sabe como tudo é escuro.”
RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA (1989), João Bénard da Costa