ALEXANDER KLUGE - POLÍTICA DOS SENTIMENTOS ∙ ANTÓNIO PRETO & VICENT PAUVAL (ED.)
ALEXANDER KLUGE • POLÍTICA DOS SENTIMENTOS • 2021 Serralves 276 pgs • Concepção de António Preto & Vicent Pauval • Edição de Maria Burmester, Paul Buck & Gisela Leal • Design de Macedo Cannatà • Textos de António Preto, Vicent Pauval, Alexander Kluge, António Guerreiro, Joana Ascensão, Georges Didi-Huberman, Manoel de Oliveira & Etc. • ALEXANDER KLUGE: POR UM CINEMA IMPURO, retrospectiva na Cinemateca, em colaboração com a Casa do Cinema Manoel de Oliveira / Fundação de Serralves, da obra cinematográfica de Alexander Kluge • A CCMO acolhe em simultâneo uma instalação constituída por vários excertos de filmes intitulada A Política dos Sentimentos • www.linhadesombra.com • Cinemateca Portuguesa.
“Aqui seguem sete histórias para Portugal, o país que cativa há muito a minha imaginação. Duas das histórias referem-se à revolução de 1974, um acontecimento que surpreendeu e fascinou o público rebelde dos movimentos de protesto na Alemanha. Nessa época, a imaginação fluiu como uma corrente para o país na Costa ocidental da Europa.
Doze anos mais tarde, eu e a minha mulher partimos para Portugal para salvar os nossos dois filhos, de um e tres anos de idade. Durante seis meses, sentimo-nos protegidos dos terríveis campos de nuvens que alastraram ao nosso país após a explosão da central nuclear de Chernobyl. As searas foram cobertas por partículas elementares nocivas para o corpo humano, com um período de semi desintegração que podia chegar aos trezentos mil anos. Por isso fugimos para Portugal. E ainda hoje sinto a segurança que me ofereceu esse país distante.
Na minha imaginação, Portugal é um pedaço da antiga Roma, cujo destino se distingue do resto da Europa. É, para mim, uma Europa alternativa - uma heterotopia. E estou cedo de que, no futuro, enviarei ainda muito mais histórias para Portugal, em jeito de saudação.”
SETE HISTÓRIAS PARA PORTUGAL, Alexander Kluge
"Os sentimentos podem mover montanhas.
A expressão “contabilista” teria sido incompreensível no contexto das viagens marítimas portuguesas do século XVI. No entanto, o princípio da rentabilidade e da poupança no transporte de escravos tinha-se imposto de tal forma, ao longo de três séculos, que os transportados estavam “mais mortos que vivos” quando eram desembarcados nas ilhas ao largo do Brasil. Tinham de ser “preparados” para o leilão com bofetadas e banhos de água fria, para aparecerem diante do paredão onde decorria a venda de escravos como “seres capazes de reacção”, como “coisas vivas”. A aparência da morte apoderou-se também, ao longo das semanas, das próprias tripulações, enquanto os navios permaneciam “inutilmente” - na perspectiva dos seus proprietários, em Lisboa - na zona inerte do Mar dos Sargaços, onde a falta de vento durava muitas vezes vários meses. Os marinheiros, de corpo e ânimo enfraquecidos, assemelhavam-se aos escravos que ajudavam a transportar nas entranhas do navio. E assim permaneciam, semanas após o desembarque, nos armazéns dos portos, em busca de um qualquer impulso que os trouxesse de volta à vida."
POUPANÇAS E CÁLCULOS, Alexander Kluge